quarta-feira, 25 de maio de 2016

Setor Energético Brasileiro: a incontornável agenda governamental

Por Renato Queiroz - Infopetro

renato082014Países em desenvolvimento de tempos em tempos consideram novas prioridades em suas agendas de políticas públicas. No caso brasileiro, desde a volta do regime democrático em 1985, acompanhamos a discussão de temas prioritários para o país como, por exemplo: o controle da inflação, a melhoria na distribuição de renda, a diminuição da violência nas cidades, entre outros. Neste sentido, os governos foram desenvolvendo políticas públicas buscando solucionar tais demandas.
Atualmente se quisermos apontar quais as prioridades que estarão colocadas na mesa do futuro governante brasileiro, o setor de  infraestrutura certamente encabeça esta lista. Este termo é amplo, pois engloba itens como transporte público, saneamento básico, déficit habitacional, suprimento de energia. E se descermos a lupa para o item  energia abre-se, ainda, um novo leque de segmentos que vai desde a oferta e o transporte da energia até o seu uso pelas indústria, comércio, residências, transporte.
Por conseguinte o setor de energia estará nos próximos anos disputando o topo das prioridades da modernização do setor de infraestrutura no país. Sem dúvida a crise atual do setor elétrico brasileiro e os problemas que enfrentam a ELETROBRÁS e a PETROBRAS trazem preocupações aos que estão envolvidos com o setor.  Assim, o planejamento energético será um alvo crescente de avaliações de especialistas em energia.
As políticas energéticas em seus macros objetivos buscam assegurar o funcionamento do mercado da energia, considerando o papel estratégico que os recursos energéticos ocupam para garantir a segurança energética do país. Importante compreender que tais políticas devem acomodar os diversos interesses econômicos e sociais da sociedade.
Ao longo de sua história política, o Brasil teve como traço cultural a elaboração de planos econômicos e/ou energéticos com o objetivo de  solucionar os grandes entraves da economia, do sistema energético, etc. Um bom marco a ser exemplificado foi o Plano de Metas dos anos 50 que desenhou uma forte mudança da estrutura produtiva com que o país iria conviver. Os setores de energia, transportes e indústria de base foram os que receberam mais de 90 % de recursos do Plano.
Vários outros exemplos podem ser citados. No caso do setor elétrico, o Relatório CANAMBRA[i] de 1966, foi o precursor dos planos decenais de expansão da oferta de energia elétrica desenvolvidos pelo Grupo ELETROBRÁS. Esses planos foram instrumentos significativos para a determinação de novas plantas de geração e transmissão para suprir a demanda de uma sociedade em crescente uso de energia. A ELETROBRÁS desenvolveu também os primeiros planos de expansão de eletricidade de longo prazo com abrangência nacional, ultrapassando o período decenal.
Vale, então, citar o Plano 2010 planejando o período  1987/2010 e o Plano 2015 abrangendo o período de 1993/2015. Interessante observar que esses estudos estabeleceram uma metodologia que até hoje são referências para os planos decenais de energia desenvolvidos pela Empresa de Pesquisa Energética-EPE, mesmo em outro contexto de comercialização de energia elétrica. Os planos energéticos hoje em dia tem uma função indicativa para os investidores na indústria da energia. São instrumentos que o governo considera estratégico, pois indicam as tecnologias que devem compor a matriz energética brasileira.
Uma consideração importante: o Estado brasileiro em seu planejamento energético teve sempre o apoio da ELETROBRÁS e suas subsidiárias e da PETROBRAS como âncoras para a realização das políticas energéticas. Estas empresas sempre tiveram uma forte presença no desenvolvimento do setor energético brasileiro. Historicamente a qualquer sinal de desequilíbrio no mercado de energia que apontasse para uma falta de confiança dos investidores, tais empresas  eram “ chamadas” a atuar na busca do equilíbrio do mercado. Mas a história também nos ensinou que quando essas empresas atuaram, movidas por interesses econômicos conjunturais, como conter a inflação ou buscar investimentos para cobrir “caixas” de governos não houve o esperado equilíbrio do mercado energético.
O momento atual é de expectativas em relação ao setor energético, no horizonte de 5 a 10 anos, porque há várias demandas de players que atuam, sobretudo nas indústrias elétrica e de petróleo e gás. A longo prazo as preocupações são menores. O Brasil tem muitas oportunidades e há mais tempo para novas estratégias e mudanças de rumo. As ações de política energética para o período que se inicia em 2015 trazem expectativas de correção de alguns rumos aos investidores.
Afinal quais as principais questões que o setor energético brasileiro têm que enfrentar no curto e médio prazo?
Inicialmente é importante ressaltar que muitas tecnologias que participam dos segmentos energéticos de economias periféricas dependem dos movimentos que ocorrem nos mercados tecnológicos do mundo desenvolvido. Nações como o Brasil, sem base tecnológica, sempre  buscaram a transferência de tecnologias, além de  importar  manufaturas ou incentivar a implantação de fábricas no país. No caso brasileiro a longa estratégia de substituição de importações não trouxe conhecimento que desse ao país um salto tecnológico.
Assim sendo o acompanhamento de estudos internacionais que fazem avaliações sobre os mercados globais de energia são importantes, pois  sinalizam os possíveis caminhos da indústria de energia nacional pela dependência tecnológica. Ademais esses estudos são utilizados para o desenvolvimento de estratégias de negócios de importantes “ players” da industria de energia mundial.
Periodicamente são divulgados  estudos que traçam um  panorama futuro do setor de energia por agências internacionais como os da Agência Internacional de Energia (AIE) que divulga um relatório anual (The World Energy Outlook-Weo), subsidiando seus países membros na elaboração de políticas energéticas. Também são desenvolvidos relatórios por empresas privadas, sobretudo as de petróleo e gás, que ao se consolidarem como empresas integradas com atuação global têm interesse em desenvolver cenários energéticos e prospectarem o futuro das tecnologias energéticas em âmbito global. Aqui podem ser destacadas empresas como a Shell, a Exxon Mobil , a British Petroleum-BP. Ainda neste contexto há instituições que desenvolvem pesquisas energéticas globais como o Departamento de Energia dos EUA- DOE que é responsável pela administração da  política energética dos Estados Unidos. O DOE divulga anualmente um panorama da energia mundial (The Annual Energy Outlook -AEO), além de  financiar pesquisas científicas na área energética.
A empresa ExxonMobil, por exemplo, em seu último estudo “The Outlook for Energy : A View to 2040” ao traçar um panorama energético mundial para os próximos anos apontou que o mundo terá mais 2 bilhões de pessoas, ou seja, uma população de 9 bilhões. A previsão de aumento da demanda de energia, segundo a Exxon, entre 2010 e 2040 estará 35 % maior, sendo que a metade deste crescimento virá da Índia e China. Somente a demanda de energia das residências e dos estabelecimentos comerciais terá um crescimento de 25 %. E o estudo destaca que, no final do horizonte, a eletricidade irá suprir 40 % da demanda mundial destes segmentos. Interessante assinalar que o Brasil está colocado entre um grupo de países que em 2040 terá uma demanda de energia próxima ao nível da China.
Uma boa referência também é o relatório anual da Agência Internacional de Energia, o World Energy Outlook –WEO,  que apresentou em 2013 um  capítulo sobre o Brasil, já que anualmente a AIE escolhe um país para ser estudado. Pinçando alguns pontos deste capítulo, tem-se que a demanda energética brasileira deve duplicar em 2035, destacando-se o setor de transportes com um crescimento que ultrapassa a 75 %. O Pré-sal colocará o país entre os maiores produtores de petróleo do mundo e sua produção será triplicada; a produção em 2035 é estimada em 6 milhões de barris/ dia, chegando o país na colocação de  sexto produtor mundial.
Ainda segundo o estudo, o país dependeria, em grande parte, dos investimentos da PETROBRAS para alcançar esta produção. Quanto ao setor elétrico a AIE prevê que a hidroeletricidade continuará sendo o carro-chefe da geração de energia elétrica, mas com uma participação declinante na matriz elétrica. Como o potencial a ser explorado está na região Amazônica, o aproveitamento total desse potencial para geração hidroelétrica dificilmente ocorrerá. As fontes eólica, gás natural e biomassa terão participação crescente para atendimento à  demanda. No setor de transporte, o etanol  terá  também uma participação expressiva segundo o WEO 2013.
O instrumento de planejamento brasileiro de médio prazo é o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) –  o último é o PDE -2022, aprovado em janeiro de 2014. Em resumo o estudo aponta:
i) Uma alta do consumo de 4,1% ao ano no período de 2013 a 2022  puxado pelo comércio com quase 6% ao ano.
ii) A nova capacidade instalada para geração de energia atingirá cerca de 63 GW, sendo que a geração hidrelétrica terá a maior participação; entre  2018 e 2022 o acréscimo desta geração é de quase 20 GW. No entanto, os novos estudos de remodelação do desenho da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós no Pará aumentará em 30 % a sua potência  instalada, passando de 6.133 MW, valor alocado no PDE, para 8.040 MW. Assim a perspectiva do planejamento governamental da capacidade instalada de UHE´s no horizonte decenal passa para 22 GW.
iii) Quanto às demais fontes renováveis,  cerca de 20 % da capacidade total prevista direciona-se para as fontes eólicas, biomassa e PCHs  e cerca de 2,5 %  de  plantas térmicas com ênfase a gás natural. No entanto, não é descartado o aumento da participação do carvão como alternativa de contratação nos leilões de oferta. Vale aqui comentar que a grande alteração que vem ocorrendo na matriz elétrica é sem duvida o aumento da participação da fonte eólica. O PDE 2022 prevê praticamente um aumento de mais do que quatro vezes os MW´s gerados pelos ventos. A previsão é o país ter mais de 17 GW  de geração eólica em 2022.
iv) A geração térmica a gás natural e biomassa tem previsão de alcançar cerca de 14 GW, cada uma, e as pequenas centrais hidroelétricas beirando 7 GW. A esperada participação da energia solar, segundo as indicações do planejamento governamental, será através de leilões que incentivem o desenvolvimento dessa indústria. O Leilão de Energia de Reserva de outubro deste ano terá, entre outras fontes, a participação da energia solar fotovoltaica com contratos de 20 anos com  suprimento para outubro de 2017.
v) O período decenal não contempla nova usina nuclear além de ANGRA III com previsão de entrada em operação para 2018.
vi) Outras ações estão também consideradas no plano para a atendimento à demanda de energia como eficiência energética (conservação que atinge a 48 TWh), a  auto-produção (115 TWh)  e a  microgeração (1,9 TWh) em 2022.
vii) O aumento da frota de veículos leves será atendido com a importação de gasolina em todo o período, considerando uma redução de produção de etanol, sobretudo até 2016, quando novas unidades produtoras terão condições de aumentar a oferta.
viii) A biomassa de cana–de–açúcar para geração elétrica, se resolvida a competitividade dessa fonte, terá sua capacidade aumentada.
ix) O país deverá produzir em 2022 mais de 5 milhões de barris diários de petróleo e  atuará como exportador líquido de petróleo e derivados.
x) No caso da oferta de gás natural haverá um aumento da sua participação pelo acréscimo da produção interna, pela importação nos níveis atuais do gás boliviano e pela importação de GNL.
Considerando as grandes tendências nos mesmos períodos, há coerências entre os relatórios da AIE e o PDE 2022, como se espera.
No entanto, é importante observar que, após 6 meses de análises e debates sobre o PDE 2022 pela comunidade energética, há dois pontos que subsistem: 1º) quais são os desafios e dificuldades para a viabilização destas previsões energéticas. 2º)  há outro cenário, além do referencial, desenvolvido pelo planejamento para enfrentar possíveis  obstáculos que possam dificultar a realização das grandes metas previstas ?
Sob as lentes daqueles que concordam com os cenários do planejamento governamental estas projeções serão realizadas, pois os projetos serão concluídos dentro dos prazos necessários. Caso haja dificuldades que possam obstaculizar qualquer meta importante, haverá ações de governo para a correção de rota.  Alguns especialistas dentro e fora do governo avaliam que o ambiente turbulento por que passa o setor elétrico, e ainda as  circunstâncias atuais preocupantes da PETROBRAS são situações conjunturais e não estruturais. Consideram que os marcos principais e ações planejadas para o setor energético serão alcançados.
Mas as lentes dos mais críticos observam consideráveis questões que trazem preocupações para o resultado previsto pelo planejamento energético, a saber:
Em primeiro lugar, no que se refere à expansão hidroelétrica, há incertezas se todo o conjunto de usinas planejadas neste médio prazo entrará em operação nas datas previstas. Um exemplo concreto é o projeto S. Luiz do Tapajós com cerca de 8 GW considerado como estratégico para compor a expansão da oferta de hidroeletricidade. Essa obra terá que enfrentar, além dos conflitos clássicos sócio-ambientais, demandas de mineradores que atuam nas margens do rio, e também as demandas dos agropecuaristas. Há informações que mais de 100 processos de mineradores estão em andamento. A ONG, The Nature Conservancy – TNC, desenvolve um estudo denominado Projeto da Amazônia e foca na bacia do Tapajós. A preocupação da TNC é que cerca de 45 % da bacia é ocupada por unidades de conservação, terras indígenas. Alerta que áreas consideradas críticas para a conservação da biodiversidade não foram consideradas.
Outro exemplo é a obra em andamento da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Hoje há  uma discussão envolvendo o Ministério Público do Pará, a Agência Nacional de Energia ( ANEEL), o IBAMA  e o Consórcio Norte Energia, grupo formado por diversas empresas envolvidas na construção da hidrelétrica, sobre as multas aplicadas pela a ANEEL ao Consórcio por atrasos no cronograma da obra em função de licenças ambientais.
Portanto, mesmo após o leilão para construção das usinas na região, muitas ações poderão postergar o andamento das obras impactando os prazos de construção e os orçamentos aprovados quando da realização do Leilão. É fato que especialistas tanto da área ambiental como da engenharia aplicada a projetos hidrelétricos entendem que há um cenário de conflitos que se intensifica com o plano do governo em construir  um crescente números de novas UHE´s no norte do país.  Há então muitas incertezas sobre a expansão da oferta de energia elétrica através de hidrelétricas.
Em segundo lugar, outro ponto de análise importante é  a previsão da produção de petróleo.  O PDE 2022 aponta que o país deverá produzir no total cerca de 5 milhões de barris-dia até o final do horizonte planejado. O custo da exploração das jazidas da camada pré-sal do litoral brasileiro, no entanto, é bem alto em função das distâncias da costa e dos níveis de profundidade. Assim, o crescimento previsto da produção de petróleo exigirá um aumento dos investimentos e consequentemente do nível das importações, refletindo no desempenho da balança de pagamentos e que pode levar à desvalorização do Real. O resultado desta equação em cascata poderá levar a um aumento da dívida da PETROBRAS, o que pode postergar as metas de produção do petróleo neste horizonte decenal. Na conjuntura atual, os analistas indicam que as petroleiras têm dificuldades em manter a lucratividade face aos altos custos de extração.
E por último, porém não menos importante, encontra-se a  crise atual do setor elétrico que levou o Operador Nacional do Sistema a despachar à plena carga as usinas térmicas, acendendo a discussão sobre as oportunidades do gás natural. O MME já sinalizou que há uma necessidade da energia térmica operar na base do sistema. As usinas a gás são as mais propícias para tal função, sobretudo por razões ambientais, se comparadas com outras fontes.
Neste sentido as análises sobre a política voltada ao gás natural no Brasil estão em efervescência. Há um entendimento de que o Brasil tem potencial de produção de gás, o que permite alcançar a auto-suficiência para atender ao consumo. Mas falta atratividade para investimentos na exploração de GN e isso afeta os negócios de térmicas a gás. A intermitência do gás já é um grave complicador para deslanchar estes projetos. A infraestrutura  é um gargalo. Os leilões de usinas térmicas a preços de gás importado de até US$ 18 por milhão de BTU não alavancam plenamente tais negócios. Afinal o preço do gás é um incentivo para investidores em usinas térmicas. Nos próximos anos essas questões terão que ser firmemente  enfrentadas.
Ainda sobre a situação delicada por que passa o setor elétrico brasileiro há um sinal vermelho no planejamento estratégico de muitos investidores e algumas questões são debatidas. Há avaliações sobre a maneira de operar o sistema elétrico em relação à programação da entrada das térmicas quando os reservatórios necessitam de serem preservados. Operar com maior geração hídrica em um sistema sem reservatórios visando menores custos deve ser reavaliado. É certo que mais água reservada diminui o custo futuro enquanto o custo presente é maior. Como o nosso sistema não é basicamente térmico, faz-se necessário um equilíbrio nessas decisões.
Ainda há um alerta sobre a necessidade de o planejamento discutir um reajustamento do atual modelo de comercialização.  O setor elétrico passa por um desequilíbrio.  E isso é um fato real que não pode ser negado. Basta observar a situação financeira das distribuidoras e geradoras de energia elétrica. Somando o custo total destas dívidas o valor pode chegar à faixa de R$ 75 a R$ 80 bilhões, considerando, além das dívidas das empresas distribuidoras os custos altos das geradoras que não conseguem gerar para cumprir seus contratos, devido ao baixo nível dos reservatórios.
Em suma todas estas avaliações fazem parte da dinâmica de uma indústria como é a de energia. São interesses, conflitos e expectativas de alavancagem de negócios. Tudo isto estará nas primeiras páginas da agenda governamental a partir de 2015.
Uma hipótese para abrandar as incertezas dos agentes seria o MME apresentar ao Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, um cenário estratégico (um Plano B), além do referencial, com as diversas implicações de custos, nível de emissões etc. Nesse Conselho com vários representantes dos ministérios todas as implicações de determinadas decisões estariam sendo discutidas.
Os investidores têm que ter a confiança de que o governo tem soluções e estratégias previamente estudadas para o enfrentamento de possíveis  dificuldades para a realização das previsões do planejamento energético.
Há, assim, um clima de expectativas entre os agentes sobre as decisões de política energética considerando, inclusive, as previsões técnicas do futuro Plano Decenal de Expansão de Energia- PDE 2023.

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